CRMV/SC 4257

Thiago Ferreira

Veterinário Oftalmologista

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Atrofia Progressiva de Retina

Temos procurado informar as pessoas que nos acompanham ou que procuram nosso serviço a respeito de doenças que frequentemente possuem cura ou controle. Desta vez falaremos de uma doença que atinge um considerável número de animais de determinadas raças e espécies, a Atrofia Progressiva de Retina. Apesar de acometer também os gatos, é mais frequente que cães sejam atingidos por esta afecção. O nome Atrofia Progressiva de Retina abrange na verdade um grande grupo de doenças degenerativas que atinge a retina e são subdivididas pelo acometimento celular e/ou molecular. Não é nosso objetivo aqui ir tão a fundo nesta informação extremamente técnica, mas sim, informar os responsáveis por um animal de estimação a identificar de maneira precoce um possível desenvolvimento da doença.

Mas afinal o que é a retina? A retina é um “véu” localizado no fundo do olho e é formada em sua maior parte por neurônios especializados em captar a luz e transmitir a informação para o cérebro, onde será interpretada para formar a visão. Aqui vamos abordar apenas os neurônios retinianos mais conhecidos popularmente que são os alvos mais frequentes dessa doença, os cones e os bastonetes, chamados fotorreceptores. No final os fotorreceptores transmitirão a informação para outro grupo de neurônios da retina chamados células ganglionares, que se encontrarão em um ponto comum para formar o disco óptico no fundo de olho e o nervo óptico que irá transmitir a informação para o cérebro. Logo abaixo da retina se localiza a camada chamada coróide, camada esta que aloja a zona tapetal que possui um brilho intenso de cor que varia conforme o animal, podendo ser alaranjada, vermelha, azul ou verde-amarelado. Esta área brilhante serve para estimular duplamente a retina, potencializando a visão noturna. Na imagem abaixo indicamos onde fica a retina.

A retina está indicada pelas setas vermelhas e corresponde à linha azul da foto. Lembrando que a linha azul é um corte da retina e que ela praticamente todo o fundo do olho, sendo nutrida pelos vasos sanguíneos vistos na foto. A seta azul indica o disco óptico. A coróide é a área vermelha logo abaixo da retina.

Tanto em cães quanto em gatos a doença tem um fundo genético hereditário, cuja transmissão do gene defeituoso pode passar de pai para filho. Daí a importância de certificar-se na compra de um animal, se possível, que os pais e/ou avós não adquiriram a doença. Esse gene defeituoso faz com que os fotorreceptores entrem em um processo bioquímico que irá resultar na morte celular difusa, o que quer dizer que no final o animal ficará cego. O tempo exato é impossível de estimar, mas o aparecimento da doença ocorre a partir dos 6 anos de idade, podendo aparecer antes dessa idade.

Em cães as raças mais comumente acometidas são: Poodle miniatura e toy, Cocker Spaniel Americano e Inglês, Schnauzer miniatura, Labrador, Husky Siberiano, Pinscher, Yorkshire, entre outros. Cães sem raça definida também podem ser acometidos pela afecção.

Em gatos a doença genética como existe nos cães é rara de ser diagnosticada. Pode ocorrer pela deficiência do aminoácido taurina ou que foram tratados com altas doses do antibiótico enrofloxacina.

Mas como identificar a doença de maneira precoce no cão? O primeiro sinal que o animal apresenta é a perda ou dificuldade da visão noturna. Um teste simples ajuda a saber se isto está acontecendo e falaremos dele mais tarde. Outro sinal frequentemente relatado pelo responsável do animal é um brilho intenso e constante nos olhos do animal, geralmente de cor esverdeada ou avermelhada, com a pupila sempre dilatada. Algo constante é o aparecimento rápido de catarata sem que o animal seja diabético. Isso ocorre devido a liberação de toxinas por parte da retina doente. Esse é o principal motivo pelo qual se faz o exame de eletrorretinografia antes das cirurgias de catarata, para se certificar de que esta doença não esteja presente. Isso não quer dizer que o animal que teve uma progressão rápida da catarata esteja com a doença, para isso a necessidade de um exame detalhado.

Por que o animal perde primeiro a visão noturna? Porque na maioria das vezes o primeiro grupo de células retinianas a morrerem serão os bastonetes, mais sensíveis à pouca incidência de luz e mais numerosas em cães e gatos do que seres humanos. Após um tempo quando a doença está em um estágio mais avançado a visão diurna, ou seja, perda dos cones, também ocorre e neste ponto o animal está completamente cego.

Lembra do brilho intenso nos olhos do animal portador da doença que comentamos acima? Isso ocorre pelo fato de a retina degenerada bloquear menos a luz que chega à zona tapetal. Por exemplo, vamos imaginar uma cortina de seda em frente a um espelho. Se incidirmos uma luz em direção a cortica e ao espelho veremos que a luz reflete, mas se tirarmos a cortina, refletirá ainda mais. Na ilustração abaixo fazemos uma comparação entre uma retina de um cão normal e a de um cão afetado.

Vemos aqui duas fotos. A da esquerda uma retina normal com o disco óptico no centro, vasos retinianos bem ingurgitados e a zona tapetal verde-amarelada com brilho normal. A foto da direita mostra o oposto, nervo óptico pequeno, redondo e pálido, sem vasos sanguíneos visíveis e com brilho ofuscante da zona tapetal.

Essas figuras demonstram a gravidade do problema e o porquê de estarmos sempre atentos ao aparecimento da doença. Para isso recomendamos um teste que pode ser realizado em casa. Escolha um local da sua casa ou apartamento que possui pouco ou nenhum móvel, geralmente um corredor. Posicione duas ou três cadeiras em posições diferentes pelo corredor. Apague a luz deixando apenas uma penumbra para que você possa ver como seu animal se locomove. Mova-se pelo corredor fazendo o mínimo de barulho para que seu animal não siga você pelo som. Se ele desviar dos obstáculos, ótimo, está enxergando bem no escuro, se ele esbarrar, acenda a luz para averiguar se ele terá mais segurança para desviar dos obstáculos. Se sim, confirmamos fase de intermediária a avançada da doença. Se ele não desviar nem no claro e nem no escuro, fase avançada.

Lembrando que esse teste apesar de servir como um bom guia ainda é extremamente subjetivo e não substitui um exame oftálmico acurado do fundo de olho dentre outros testes. Apesar de não haver cura, a abordagem precoce é ideal para que algum tratamento seja iniciado, pois o uso de antioxidantes em alguns casos prolongam um pouco mais a visão do animal acometido quando a doença é diagnosticada precocemente, o que não acontece em estágios mais avançados. Mesmo assim o uso de antioxidantes ainda é controverso.

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