CRMV/SC 4257

Thiago Ferreira

Veterinário Oftalmologista

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Como doenças dentárias podem causar cegueira?

À primeira vista essa é uma pergunta que poderia gerar mais dúvidas do que respostas, mas a verdade é que a saúde bucal dos animais (e humanos) está diretamente relacionada com a saúde do resto do corpo como um todo, inclusive dos olhos. Para entender essa relação, primeiro é preciso entender como e porque ocorrem as doenças dentárias nos animais, mais especificamente os pets.

Um dos assuntos mais comentados a respeito de doenças dentárias é a questão da alimentação, se natural, se por meio de ração, ou se o pet tem acesso ou não a materiais que possa roer e desgastar possíveis cálculos dentários. Apesar de tudo isso ser importante e ter relação com doenças dentárias, o cerne da discussão está em um só. Higiene bucal. Se tomarmos como exemplos nós seres humanos, alguns pacientes desenvolvem doenças dentárias mesmo escovando os dentes após as refeições, imagine pets que não recebem a higiene bucal. Outro fator importantíssimo é a disponibilidade dos responsáveis por um pet para realizar tal higiene, uma vez que a maioria das pessoas fica impossibilitada por conta da rotina diária. Especialistas indicam que o ideal seria sempre depois das refeições, mas que uma vez ao dia já diminuem muito a incidência de doenças dentárias. Uma vez por semana torna-se melhor que nenhuma, mas abaixo desta frequência a higiene bucal pouca diferença fará para o aparecimento de doenças dentárias. Produtos comerciais para aplicação direta nos dentes ou mesmo misturados à água prometem reverter o quadro, mas nenhum deles se compara a uma boa e frequente escovação dos dentes. O resultado disso fatalmente será a formação de placas bacterianas, cálculos dentários e consequentemente periodontite (inflamação dos tecidos adjacentes aos dentes). O aparecimento de periodontites facilita o acesso de bactérias à corrente sanguínea pela proximidade de pequenos vasos sanguíneos da gengiva com coleções de bactérias depositadas abaixo dos cálculos dentários. Uma vez dentro da circulação sanguínea a bactéria se torna uma “roleta russa” dentro do corpo do paciente, seja cão, seja gato. Além dos perigos relacionados ao local alvo da bactéria, ainda há a questão das dores.

Dentre as localizações que as bactérias presentes na boca podem alcançar, os olhos são um alvo importante a ser citado. Quando os olhos são alcançados por essas bactérias, as mesmas podem causar um quadro chamado uveíte. A uveíte a inflamação da camada vascular dos olhos chamada úvea. A parte mais conhecida da úvea é a íris, a famosa estrutura que dá cor aos olhos. O mecanismo exato pelo qual as bactérias bucais causam uveíte ainda é alvo de controvérsias, mas resume-se na quebra de uma barreira de proteção dos olhos e consequente inflamação (uveíte). A uveíte pode causar desde sequelas leves até cegueira ou mesmo a perda do olho afetado. Tudo irá depender da bactéria causadora da afecção, do tempo em que o quadro está instaurado e da eficácia do tratamento, portanto, assim como todas as doenças, a detecção precoce auxilia no sucesso do tratamento.

Os pacientes portadores de uveíte geralmente apresentam olhos avermelhados, secreção líquida ou mucoide (espessa), olhos opacos, por vezes azulados e fechamento dos olhos em decorrência da dor, também chamado de blefarospasmos. Esses são sinais mais genéricos, facilmente notados pelos responsáveis do paciente, principalmente em estágios mais avançados e/ou graves. Vale lembrar que esses sinais também estão presentes em outras doenças, portanto, cabe ao Médico Veterinário Oftalmologista diferenciar de outras doenças e causas. Determinar a causa exata da uveíte não é tarefa fácil, mas quando os exames requeridos não mostram causa específica e o paciente apresenta doença periodontal em estágios avançados, é provável que a causa seja uma bactéria vinda dos dentes.

Finalizando, é relativamente comum que as pessoas deixem de realizar um tratamento dentário para seu cão e/ou gato por medo da anestesia, e de fato a anestesia oferece sim seus riscos, mas estes são minimizados quando o centro cirúrgico é bem equipado e o anestesista bem preparado, que irá solicitar os exames pré-anestésicos adequados. Por conta desse medo, submetemos nossos pets a um risco muito maior mantendo os dentes com cálculos dentários que permitem a translocação de bactérias não só para os olhos, mas para outros órgãos ainda mais importantes como o coração. A devida orientação deve ser buscada pelo dentista veterinário ou clínico geral de sua confiança. Caso sinais oculares estejam presentes, um Médico Veterinário Oftalmologista deve ser procurado.

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