CRMV/SC 4257

Thiago Ferreira

Veterinário Oftalmologista

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Herpes Felino – Um perigo oculto (ou nem tanto)

Este é um importante post para quem é responsável por um ou mais gatos pelo fato da doença e do agente infeccioso abordado ser mais comum do que se imagina. Em nossa rotina de atendimentos é muito comum ouvir a queixa de que o gato constantemente produz secreção “gosmenta” ou líquida cor avermelhada que muitas vezes cai dos olhos e mancha o local em que o paciente passou ou se encontra no momento, que melhora sozinha, mas com o passar do tempo, volta. É comum também a queixa de pequenas casquinhas pretas ao redor dos olhos. Seja qual for o tipo de secreção, o gato também pode fechar um ou os dois olhos como sinal de irritação. Esses sinais geralmente são os únicos percebidos pelo responsável do paciente, mas um exame detalhado pode mostrar outros sinais compatíveis com infecção por herpesvirus felino tipo 1 (HVF-1).

O HVF-1 é um vírus normalmente contraído quando o animal ainda é um filhote, mas infecções podem ocorrer também no animal adulto. Estima-se que 70% dos gatos são positivos para o agente. Mas por que nem todos apresentam sinais clínicos? A resposta é a mesma que explica porque pessoas com herpes demonstram o problema eventualmente. O vírus em um primeiro momento infecta as células das mucosas, mas tendem a se deslocar por meio de bainhas nervosas para um gânglio nervoso chamado trigêmeo, onde esse genoma se torna inativo. A atividade do genoma volta a ocorrer em um período em que o indivíduo portador passa por uma situação estressante ou recebe medicamentos com corticosteróides (corticóides). A partir disso o vírus se prolifera pelos axônios (conexões dos nervos) até atingir seu alvo. O HVF-1 pode também causar uma doença chamada rinotraqueíte infecciosa felina, mas quase sempre a manifestação ocular ocorre independentemente da manifestação respiratória.

A manifestação clínica ocular pode assumir várias formas. Inicialmente pode se dar apenas protrusão da terceira pálpebra, por conjuntivite leve e crônica (que dura muito tempo) e/ou ceratite (inflamação na córnea) leve, que tendem a se manterem estáveis e crônicas ou piorar em poucos dias, gerando inchaço da conjuntiva, as secreções já citadas e leve ou nenhuma opacidade da córnea. A foto abaixo demonstra a aparência da conjuntivite em gatos.

Conjuntivite em um paciente. Notar as áreas inchadas da conjuntiva indicadas pelos asteriscos. Fonte: S.E. Andrew, 2001.

Caso o quadro piore, poderá ocorrer aumento da ceratite com vascularização da córnea e/ou necrose focal, gerando uma lesão conhecida como sequestro de córnea (causado também por defeitos palpebrais), uma lesão de cor marrom a preta, muitas vezes central em formato oval ou redondo, como mostrado na figura abaixo. Vale lembrar que o sequestro corneal é comum em felinos, mas mais observado em raças de pêlo longo como Persas, Himalais e Birmanês. O tamanho do sequestro pode culminar em um quadro de cegueira momentânea ou permanente, tudo irá depender das sequelas que essa lesão pode gerar.

Além dessas manifestações já citadas podem ocorrer aderências entre conjuntiva e córnea chamada de simbléfaro, oftalmia neonatal (infecção ocular em filhotes)e menos comuns a uveíte (inflamação no interior dos olhos), a ceratoconjuntivite proliferativa e a ceratoconjuntivite seca.

Fotos demonstrando a área de sequestro corneano. Na foto da esquerda percebemos uma pequena lesão preta indicada pelo círculo vermelho. Na foto da direita é possível observar uma grande área preta na superfície do olho cobrindo a estrutura azul do olho.

O tratamento do HVF-1 se baseia no controle de infecções bacterianas secundárias, em terapias anti-virais, suplementos com aminoácidos específicos e privar o gato de situações potencialmente estressantes. Nos casos de simbléfaro e sequestro corneano intervenções cirúrgicas são necessárias. O sequestro corneano superficial pode se desprender sozinho, mas existe o risco de piora da úlcera de córnea resultante com consequente perfuração do olho. Importante frizar que a vacina disponível para rinotraqueite controla adequadamente as manifestações respiratórias, porém parece não ter controle adequado quando se trata da manifestação ocular, provavelmente pela maneira na qual ele se espalha, por dentro dos axônios.

O gato com problemas oculares crônicos deve passar pela avaliação do Médico Veterinário Oftalmologista para diferenciar se a condição se trata de infecção pelo HVF-1 ou algum problema menos grave, como obstrução de ductos nasolacrimais.

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